“Mal-entendidos por conta de uma comunicação que não seja clara podem causar perda de dinheiro.”
Esta frase foi dita ao COMCLAREZA por Jana Goldman, especialista americana em linguagem clara, ao se referir à conferência que a a associação internacional PLAIN vai organizar em setembro, na Áustria. E nos leva direto ao Centro-Oeste brasileiro, para mais um caso de falta de clareza na comunicação com consumidores.
Afinal, ninguém precisa comprar uma passagem aérea para a Europa para entender por que a afirmação de Jana é verdadeira.
A confusão armada pela distribuidora de energia Celg nas contas de luz enviadas a consumidores de Niquelândia (GO) entre setembro de 2014 e janeiro de 2015 é um exemplo preciso de como a falta de clareza causa prejuízo financeiro.
Como aconteceu o problema
Foi durante aquele período, logo após cancelar o contrato com a empresa terceirizada que fazia a leitura dos medidores de consumo energético, que a Celg decidiu usar a média aritmética de medições passadas para calcular o valor das faturas de seus clientes.
O problema é que esse procedimento só é permitido em situações comprovadas de emergência ou calamidade pública.
Tem mais.
Em janeiro de 2015, quando a Celg contratou uma nova empresa para retomar a leitura dos medidores, passaram a valer um reajuste na tarifa cobrada pelo consumo de energia e, também, a bandeira vermelha.
A distribuidora juntou então em uma única fatura a cobrança não só pelo consumo daquele mês, como também o consumo no período de setembro a dezembro de 2014. Por fim, aplicou a tarifa reajustada e a bandeira vermelha a essa soma.
Ou seja, cobrou duas vezes parte do consumo de 2014 e ainda fez isso com base nas tarifas de 2015, sem deixar nada transparente a quem recebeu as cobranças.
Justiça exige linguagem clara nas contas de luz
Menos mau para a população de Niquelândia que dois fatores diferenciam o caso do município goiano das histórias que costumamos ouvir.
A começar pelo fato de que o prejuízo sofrido pelos consumidores virou uma ação civil pública do Ministério Público do Estado de Goiás (MPGO) contra a Celg.
A decisão do Tribunal de Justiça goiano saiu há poucas semanas. A companhia foi condenada a pagar R$ 100 mil em danos morais coletivos ao Fundo Estadual de Defesa do Consumidor e restituir em dobro os valores cobrados indevidamente de seus clientes.
Por ser uma decisão na primeira instância da Justiça, a distribuidora ainda pode apresentar recurso.
O segundo diferencial está na sentença do juiz Rodrigo Victor Foureaux Soares, da 2ª Vara da comarca de Niquelândia. No texto da decisão, ele determina que a Celg “informe em linguagem clara e simples nas contas de luz dos consumidores a obrigação de realizar medição na zona urbana e rural”, para que não se repitam as cobranças indevidas. E destaca também que, segundo o Código de Defesa do Consumidor, os “consumidores possuem o direito à informação clara e precisa”.
De acordo com o magistrado, nada disso foi respeitado pela Celg, que falhou na obrigação de mostrar com transparência a seus clientes como os valores das faturas estavam sendo calculados.
A empresa contra-argumenta
A Celg, por sua vez, defendeu no processo a “inexistência de irregularidades nas faturas cobradas referentes aos meses de setembro a dezembro de 2014 e que os procedimentos adotados foram em conformidades com a regulamentação da Aneel”. Refere-se aqui à Agência Nacional de Energia Elétrica, que é o órgão público responsável por regular e fiscalizar esse setor.
Vale repetir que a decisão foi tomada na primeira instância da Justiça e ainda cabe recurso. Mas fica a pergunta: se a Celg afirma não ter feito nada irregular, por que não comunicou claramente aos consumidores como estava fazendo o cálculo do valor das faturas?